quarta-feira, agosto 03, 2005

Palavras à volta

Esmago um, dois, três cigarros debaixo do meu pé direito e depois arranco. Sim, sou eu que espero junto àquele pilar durante horas. Sim, sou eu o vulto que mal se distingue na penumbra. A cidade esvaziada. A cidade escancarada às sombras e iluminações amenas que cantam baixinho a noite que passa. A cidade inteira aberta ao vazio de um silêncio absurdo que por ali se deixou adormecer. E eu encostado ao pilar durante horas, esmagando beatas batidas com o meu pé direito. Como se esperasse. Como se desesperasse. Como se aguardasse uma voz que me dissesse vai, vai agora que chegou o momento. Entretanto, o meu olhar faz-se de uma visão incansável que não pousa sobre os objectos. Evito encarar as pessoas é claro, faz parte desta minha condição. Contudo, vejo todos os objectos como se os devorasse de uma só vez, inteiros, da superfície até à alma – e não me contraries, pois bem sabes que todos os objectos têm uma alma, uma essência sagrada à volta da qual se enlaça uma matéria que lhes dá uma forma, um propósito. Um objecto sem alma seria um não-objecto, uma não-existência, uma impossibilidade. Entretanto, sentir passar o tempo como um cabelo que perde a sua cor. Esmagar beatas com o meu pé direito. E esperar por esta voz que, só neste instante me diz vai, vai agora que chegou o momento! E eu vou. Ai vou certamente! Vou desvairado como se não ir agora me queimasse. Vou com esta euforia efervescente que me exalta o sangue. A cidade inteira rendida, despida, abandonada diante de mim. As ruas que se deitam a meus pés prontas a serem pisadas, rasgadas, esventradas por estes passos incertos, desnorteados, pesados. Todas as ruas dispostas como uma infinita encruzilhada de vazios. E eu exaltadamente criança exaltada novamente. Já contei até dez. Aqui vou eu!

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